Tecnologia e desconexão no ambiente laboral

No início do século XXI, a revolução tecnológica trouxe para dentro de nossas casas a internet em alta velocidade, possibilitando à sociedade o acesso às informações de modo rápido e eficaz. Ao longo dos anos, os equipamentos telemáticos se diversificaram e se tornaram cada vez mais acessíveis, viabilizando, independentemente da classe social, um acesso massivo à internet, fato que deu início a uma mudança muito significativa no estilo de vida das pessoas, bem como nas dinâmicas sociais.

A inclusão das novas tecnologias refletiu mudanças substanciais no mercado de trabalho, possibilitando o exercício de diversas funções de maneira remota. O aperfeiçoamento dessa tecnologia fez com que o teletrabalho, que já havia ganhado uma grande notoriedade e adesão nos países considerados “desenvolvidos”, passou a ser previsto no Brasil, a partir da reforma trabalhista, a qual alterou a Consolidação das Leis do Trabalho através da Lei nº 13.467/2017, passando a abordar o teletrabalho em capítulo específico, por meio dos artigos 75-A a 75-E.

Em que pese a legislação passar a estabelecer o teletrabalho como uma nova modalidade de trabalho à distância, esta ganhou uma força exponencial com a crise sanitária mundial causada pela pandemia do covid-19 e passou a se tornar a modalidade prioritária em muitos segmentos. Empregados e empregadores tiveram de se adaptar ao teletrabalho e ao seu regramento de maneira abrupta, tendo ainda que enfrentar uma série de questões relativas aos desafios cotidianos que essa nova modalidade tem suscitado.

O trabalho à distância é gênero do qual o trabalho em domicílio e o teletrabalho são espécies.

O teletrabalho é aquele realizado essencialmente com o uso de tecnologia e de recursos eletrônicos, e que não necessariamente deve ser executado dentro do ambiente residencial.

Enquanto o trabalho executado em âmbito domiciliar (trabalho em domicílio), originalmente, remete àquele que é realizado de forma artesanal, tendo como exemplo clássico a confecção de roupas (costureiras) feita dentro da própria moradia, por uma pessoa ou vários membros da família, a serviço de um contratante. Atualmente, entende-se que o trabalho em domicílio é o exercício de qualquer atividade remunerada, realizada fora da fiscalização imediata e direta do empregador, ainda que persista o requisito da subordinação.

Dada a flagrante necessidade de elaboração de regra específica, os teletrabalhadores passaram a ter um capítulo específico na CLT, com a reforma trabalhista promovida pela Lei nº 13.467/2017, conforme já dito.

Ponto extremamente preocupante nos dias atuais é o fato de que os meios digitais e tecnológicos trouxeram consideráveis alterações na forma como a sociedade vive, trabalha e se relaciona.

O teletrabalho apresenta pontos positivos e negativos, tendo como suas principais virtudes a questão de que o trabalho pode ser desenvolvido em diversos lugares, inclusive distantes da sede da empresa contratante. Sua vantagem é evitar gastos e tempo de deslocamento, além de permitir uma maior flexibilidade e conforto do trabalhador.

Dentre os pontos negativos, podemos citar uma menor interatividade das pessoas e, obviamente, o aumento da hiperconectividade.

Associada ao teletrabalho, a hiperconectividade tornou-se um grande problema, na medida em que a ausência de separação física entre o ambiente de trabalho e o ambiente profissional acaba por aumentar o número de horas trabalhadas.

Outro fator relevante é que tem se tornado cada vez mais frequentes situações em que os trabalhadores que desenvolvem suas atividades profissionais por meios telemáticos e tecnológicos responderem e-mails e mensagens de WhatsApp fora do horário de trabalho, serem acionados por superiores hierárquicos e clientes em períodos de descanso ou até mesmo durante as férias.

Portanto, na medida em que o ambiente laboral e residencial se tornam um único lugar, automaticamente as relações pessoais e familiares dos trabalhadores são prejudicadas.

Válido também destacarmos que um ponto extremamente sensível a essa situação seria a saúde psíquica dos trabalhadores, os quais estão cada vez mais suscetíveis ao estresse, à insônia, à depressão, à queda no desempenho e à exaustão laboral, também conhecido como o burnout.

Esses problemas, por via reflexa, acabam comprometendo não só o trabalhador, mas as próprias empresas e a Previdência Social, na medida em que mais trabalhadores estariam sujeitos aos afastamentos previdenciários, seja por auxílio-doença, como também acidente do trabalho.

Desta forma, com o advento da revolução tecnológica e com os novos meios de trabalho decorrentes do mundo pós-moderno e conectado, é preciso que as empresas se adequem e criem parâmetros de conduta visando garantir ao trabalhador o seu período de desconexão total do trabalho, adotando mecanismos que o possibilitem.

Atualmente, na Alemanha, tais questões estão sendo tratadas por meio de negociação coletiva, em que se estabeleceram critérios e orientações que visem limitar os excessos de trabalho. A título de exemplo, citamos a Volkswagen, que celebrou um acordo com seus funcionários, no qual eles não conseguem acessar os servidores da empresa fora do período de expediente.

Outro exemplo vem de Portugal, que recentemente aprovou uma reforma legislativa na qual esclarece que o empregador deve abster-se de contatar o empregado nos períodos de descanso.

Assim, limitou-se a duração máxima da prestação de serviços pelos empregados e, ao mesmo tempo, lhes garantiu o direito à desconexão, o que lhes assegura o direito ao repouso e lazer.

Lembremo-nos que o direito do trabalho deve, obrigatoriamente, salvaguardar a integridade física e mental dos trabalhadores, assegurando-lhes, inclusive, a prerrogativa de lazer e convívio familiar, além de prever o direito à desconexão.

Em relação ao assunto, recorremos às sábias palavras do ilustre João Leal Amado, professor de Direito do Trabalho da Universidade de Coimbra (Portugal): “que o atual papel do Direito do Trabalho, neste novo contexto digital, deve continuar a ser aquele que, desde a sua origem, o anima: limitar o tempo de trabalho, preservar os períodos de repouso, salvaguardar a saúde do trabalhador e garantir a auto disponibilidade (rectius: a liberdade) deste, para que ele não se veja reduzido à unidimensional condição de força produtiva e assim despido dos múltiplos atributos da sua humanidade”.

Sendo impossível que a legislação avance na mesma velocidade das novas tecnologias, entendemos que caberá aos sindicatos instituírem, por meio de convenções e/ou acordos coletivos, as soluções mais adequadas, visando atender às necessidades das empresas e dos trabalhadores de forma justa e equilibrada.

Desta forma, ao adentrarmos a conclusão deste artigo, é essencial reafirmar a importância de proteger a saúde mental e física dos trabalhadores, um direito que transcende as fronteiras do local de trabalho e se infiltra no cerne da vida pessoal e do lazer de cada indivíduo, uma vez que deverá ser priorizado o equilíbrio saudades entre a vida profissional e pessoal.

A imposição de limites claros ao contato profissional fora do horário de trabalho e a garantia de períodos de descanso adequados de um ambiente laboral saudável surgem como medidas indispensáveis para combater a epidemia do burnout e outras relacionadas ao estresse ocupacional, ou seja, é imperioso que se assegure aos trabalhadores sua integridade física e mental, garantindo, assim, sua liberdade e bem-estar.

O direito à desconexão, portanto, deve ser reconhecido como um imperativo ético e legal neste novo milênio, simbolizando a necessidade de reajustar as dinâmicas de trabalho diante dos avanços tecnológicos, em atenção ao princípio da dignidade humana no contexto laboral.

A tecnologia deve estar a serviço do bem-estar humano e não o contrário!

Autor:

Luiz Otávio de Almeida Lima e Silva

Renomado advogado especializado em Direito Trabalhista, Civil e Desportivo, com destaque em negociações e casos de alto perfil em setores variados. Fundador da Bresciani e Almeida Sociedade de Advogados, atua também como consultor trabalhista para empresas. Com formação avançada, incluindo pós-graduação e especializações internacionais, é um participante ativo em congressos e contribuidor para o debate jurídico, sendo fluente em inglês e com conhecimentos de espanhol.

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