Santos, 26 de abril de 2022, 21h, poderia ser mais uma terça-feira, pós expediente, mas ao chegar em casa e ligar a televisão, me deparo com a seguinte manchete: “Vitor Pereira testa positivo para COVID-19 e desfalca o Corinthians contra o Boca”.
Na sequência, o jornalista comenta que por meio de um telão, o técnico, de forma remota, participaria da preleção no vestiário com os atletas e que retornaria remotamente no intervalo e no final do jogo.
Neste momento, fui tomado por uma série de questionamentos, como por exemplo: será que está nascendo uma nova possibilidade de trabalho? Qual será o reflexo desta participação para o time? Poderia o técnico afastado por COVID-19 trabalhar estando com atestado?
Como sabido, a pandemia causada pelo SARS-CoV-2, responsável pela COVID-19, trouxe novas modalidades de trabalho, com grande ênfase naquelas telemáticas e não presenciais, possibilitando o labor de forma menos sociável, porém não menos humanizado.
Importante também observar que a Lei 9.615/1988, popularmente conhecida como Lei Pelé, autoriza a utilização de outras fontes do direito, na falta de disposições específicas na lei especial.
O trabalho a distância, que era visto de forma tímida pela Lei 13.467/2017, e com sentimento de desconfiança pelos empregadores, foi colocado em prática a fórceps pela COVID-19, tornando-se para muitos um caminho sem volta.
Neste sentido, vale a reflexão extraída do livro Sapiens, no seguinte sentido: “Se a necessidade sempre foi a mola propulsora do progresso, certo é, que, sem a criatividade humana, não haveria desenvolvimento. A criatividade para desenvolver ferramentas e novas estratégias de caça e capacidade de cooperação com outras pessoas foi fundamental em todos os aspectos da evolução do homo sapiens”.[ii]
Aqui, importante relembrar que o artigo 75-B da CLT da Lei 13467/2017, conceitua o teletrabalho como a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define o teletrabalho como sendo qualquer trabalho realizado distante das sedes dos contratantes, onde o trabalhador pode se comunicar por meios de novas tecnologias com seus colegas de trabalho.1
Já, o home office, diferentemente do teletrabalho não possuía uma previsão legal. Logo, não era obrigatória nenhuma modificação no contrato de trabalho ou formalização. Assim, o home office acabava sendo uma extensão da empresa para casa do colaborador.
Importante observar que, atualmente encontra-se em vigor a Medida Provisória 1.108/2022, no qual alterou o conceito de teletrabalho, bem como passou também a dispor sobre o trabalho remoto, colocando-os como sinônimos para todos os efeitos.
Se num passado recente existiu alguma dúvida sobre a compatibilidade do trabalho remoto com o desporto, os dias atuais nos mostram que esta é uma realidade, tendo como um dos precursores do teletrabalho o eSport.
Agora, trazendo para as demais modalidades, vislumbramos uma nova possibilidade de trabalho, quando o técnico do Corinthians, afastado por COVID-19, conseguiu participar ativamente no vestiário, por videoconferência. Aliás, acredito que o trabalho não ficou limitado ao vestiário, imaginando que houve um contato direto e imediato durante a partida, fazendo com que seu auxiliar comandasse os jogadores da melhor maneira possível.
Diante do placar de 2×0, tudo nos leva a crer, que o resultado foi positivo, e sua ausência física não reverberou nenhum tipo de fragilidade para os jogadores que entraram em campo.
Já, quanto a possibilidade do labor mediante apresentação de atestado médico, entendo que pela regra seria indevido, uma vez que, o atestado médico, justifica a ausência do empregado para o trabalho, seja ele remoto ou presencial. Contudo, dependendo das condições de saúde do trabalhador, havendo bom senso das partes e vontade unilateral do técnico, o trabalho seria possível.
Assim, da maneira como atuou o técnico do Corinthians num clássico contra o Boca Juniors, diante do resultado alcançado, acredito que poderemos desfrutar de grandes oportunidades advindas dos meios telemáticos no deporto e assim, podemos concluir que seria impossível deter o progresso, pois “não há nada que resista a uma ideia quando é chegado o seu tempo” como dizia Vitor Hugo, romancista francês².
Por Tarcísio M. Bresciani
Artigo publicado no maior portal do Direito Desportivo do Brasil Lei em Campo Link para o artigo.
[1] GBZO, Bernard E – Otro modo de trabajar: la reloción del teletrabajo. P.10.
[2] Castsilho, Paulo Cesar Baria de – Subordinação por algoritimo – São Paulo: LTr, 2021. p.50.
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – uma breve história da humanidade. 19. Ed. Tradução Janaína Marcoantonio. Porto Alegre: L&PM, 2017.p.47.
Castsilho, Paulo Cesar Baria de – Subordinação por algoritimo – São Paulo: LTr, 2021. p.50
GBZO, Bernard E – Otro modo de trabajar: la reloción del teletrabajo. P.10
Zanella, Fabiano – A evolução do Teletrabalho: Tomo I: Aspectos Jurídicos – Campinas, SP : Lacier Editora, 2021.
Crédito imagem: Rodrigo Coca/Agência Corinthians